Uso de algemas pelo ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), foi criticado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, responsável pela relatoria do caso de transferência do Paraná para o Rio de Janeiro
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a transferência do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), do Complexo Penitenciário de Pinhais, no Paraná, para a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, no Rio de Janeiro.
A decisão tomada pela 2ª Turma do STF, que determinou o retorno de Sérgio Cabral para o Rio, de onde foi transferido, em janeiro deste ano, para o Paraná por decisão conjunta dos juízes da 7ª Vara Federal do Rio e da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Para os ministros do STF, além de não atender ao interesse processual, a decisão desrespeitou o direto ao contraditório e à ampla defesa.
O motivo da transferência foi um relatório do Ministério Público do Estado Rio (MP-RJ) que apontou que Cabral possuía, dentro do presídio, alimentos e objetos não permitidos, como aquecedor, chaleira e sanduicheira elétricos, colchões diferenciados e até uma televisão estilo home teather.
Ainda conforme o relatório, o ex-governador recebia encomendas pessoalmente na porta de entrada da unidade e andava sempre com o que pareciam ser seguranças pessoais privados, sem qualquer controle em relação a visitantes e entrada e saída de itens e valores.
A defesa questionou, no Supremo, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou liminar em Habeas Corpus (HC) apresentado naquela corte contra a transferência.
Em sua sustentação oral durante o julgamento, o advogado do ex-governador salientou que a decisão foi tomada pelos juízes e executada sem que tivesse sido intimado. De acordo com ele, os defensores foram notificados da decisão após ser executada, o que impossibilitou o exercício da defesa.
Em seu voto, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, salientou que a transferência de Sérgio Cabral não atendeu aos interesses do processo. Inicialmente, Mendes frisou que o direito do preso à assistência da família é previsto na Constituição Federal (CF) e que a Lei de Execução Penal prevê o recolhimento do preso em local próximo ao seu meio social e familiar, o que, curiosamente, foi negado ao ex-presidente Lula, também preso no Paraná.
De acordo com o ministro, apenas razões excepcionais e devidamente fundamentadas autorizariam uma transferência para outra unidade. No caso concreto, o relator observou que a transferência para o Paraná não faz sentido processual.
Preso no final de 2016, Cabral foi condenado em uma ação penal em trâmite em Curitiba, capital paranaense, e há outras investigações naquele foro, mas ainda sem acusação formalizada.
Ainda segundo o STF, Gilmar Mendes informou também que o interesse da instrução processual recomendaria, assim, sua permanência no Rio, onde responde a ações penais em fase de instrução.
O ministro ressaltou que a transferência teve amparo apenas nas palavras da acusação, que acabaram sendo tomadas como verdadeiras, e a despeito de inexistir urgência, a defesa de Cabral não foi previamente ouvida, lembrando que o Código de Processo Penal prevê que, ressalvados os casos de urgência, os pedidos cautelares devem ser submetidos ao contraditório e à ampla defesa.
Por fim, o ministro criticou as imagens televisivas que mostraram o ex-governador sendo conduzido com algemas nas mãos e nos pés durante a transferência, apesar de sua aparente passividade.
Para o relator, o fato pode caracterizar até mesmo o crime de abuso de autoridade por afronta à Sumula Vinculante (SV) 11, que proíbe o uso de algemas. De acordo com Gilmar Mendes, não há notícia de que o fato esteja sendo investigado.
Por todos esses motivos alegados, Gilmar Mendes concedeu mais um HC, determinando dessa vez o imediato retorno de Sérgio Cabral ao presídio de Benfica, além de determinar também a instauração de investigação para apurar eventual abuso de autoridade, distribuída à sua relatoria.
Acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Em seu voto, o ministro Toffoli fez questão de ressaltar que o retorno do ex-governador ao Rio deve ser feito sem o uso de qualquer meio constrangedor.
Único a votar contra o relator, o ministro Edson Fachin entendeu que a transferência, em certos casos, pode ser autorizada mesmo sem oitiva da defesa, como no caso concreto, em que o local em que o réu exerce influência pode representar risco para ele próprio.